O papel da China na construção de um Novo Mundo Multipolar

A teoria dos grandes espaços, a teoria de um mundo multipolar e o papel da China nesse novo contexto estão intrinsecamente ligados às dinâmicas geopolíticas e às transformações em curso na ordem mundial. Vamos explorar essas conexões a seguir.
A teoria dos grandes espaços, originalmente proposta pelo geógrafo russo Lev Gumilev, argumenta que a história e a geografia moldam os destinos das nações. Ela sustenta que as potências globais emergem e se desenvolvem a partir de grandes espaços geográficos, que se caracterizam por suas vastas extensões territoriais, recursos naturais abundantes e populações numerosas. Segundo essa perspectiva, o acesso a esses grandes espaços é fundamental para o poder e a influência de um país no cenário mundial.
No contexto da teoria de um mundo multipolar, argumenta-se que a era unipolar liderada pelos Estados Unidos, que se seguiu ao colapso da União Soviética, está sendo gradualmente substituída por uma ordem global mais equilibrada e multipolar. Nesse novo sistema, várias potências emergentes, como China, Rússia, Índia e Brasil, desempenham papéis significativos e compartilham a influência global com os Estados Unidos e a Europa.
Dentre essas potências emergentes, a China tem se destacado como um ator chave. O país possui uma combinação única de grande espaço geográfico, com seu vasto território e extensas fronteiras terrestres e marítimas, e uma população de mais de 1,4 bilhão de pessoas. Além disso, a China possui recursos naturais abundantes, incluindo minerais estratégicos, e tem investido pesadamente em seu desenvolvimento econômico e tecnológico nas últimas décadas.
Na atualidade, a China desempenha um papel de destaque na esfera global, tanto em termos econômicos quanto políticos. Ao analisar essa dinâmica, é possível traçar algumas relações entre o papel da China na atualidade e a teoria do renomado jurista e filósofo político Carl Schmitt.
De acordo com a teoria de Schmitt, o mundo político é caracterizado pela distinção entre “amigo” e “inimigo”. Ele argumenta que a política se baseia em uma divisão fundamental entre grupos que se identificam como amigos, unidos por interesses comuns, e grupos que são percebidos como inimigos, representando uma ameaça aos interesses dos amigos.
Nesse contexto, o papel da China na atualidade pode ser entendido à luz dessa teoria. A China emergiu como uma potência global, desafiando a ordem geopolítica estabelecida, especialmente no que diz respeito à hegemonia dos Estados Unidos. Esse cenário de competição geopolítica entre a China e os Estados Unidos tem levado a uma reconfiguração das relações internacionais, envolvendo diversos países e regiões.
Schmitt argumenta que as relações políticas são fundamentadas na distinção entre amigos e inimigos, e é nessa dinâmica que os Estados buscam garantir sua sobrevivência e segurança. No caso da China, seu papel na atualidade pode ser compreendido em termos de sua ascensão como uma potência que desafia a ordem global estabelecida, tornando-se um concorrente e, em certos aspectos, um potencial “inimigo” de outras potências, como os Estados Unidos.
A ascensão da China tem implicações profundas para a configuração de um mundo multipolar. O país tem buscado expandir sua influência política, econômica e militar em diferentes regiões do globo, estabelecendo parcerias estratégicas e investindo maciçamente em infraestrutura em países ao redor do mundo. A iniciativa chinesa “Um Cinturão, Uma Rota” (também conhecida como Nova Rota da Seda) é um exemplo emblemático desse esforço, visando fortalecer os laços comerciais e políticos entre a China e outras nações através de uma rede de rotas terrestres e marítimas.
A China também tem buscado uma maior participação na governança global, defendendo uma ordem internacional mais multipolar e contestando a supremacia dos Estados Unidos em instituições como o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial. Além disso, o país tem investido na modernização de suas forças armadas e demonstrado um crescente envolvimento em assuntos de segurança global e regional, particularmente no Mar do Sul da China.
Diante desse panorama, o papel da China nesse novo mundo multipolar é complexo e multifacetado. Por um lado, o país tem a oportunidade de se tornar uma potência global de primeira ordem, capaz de influenciar e moldar a nova ordem multipolar. Por outro lado, a ascensão da China também gera preocupações e desafios para outras nações, especialmente para aquelas que mantêm relações tensas ou disputas territoriais com o país.
É importante ressaltar que o cenário geopolítico é dinâmico e está sujeito a mudanças. A evolução das teorias dos grandes espaços, a consolidação de um mundo multipolar e o papel da China no cenário global continuarão a ser objeto de análise e debate, pois os acontecimentos futuros moldarão a trajetória desses conceitos e suas interações no mundo em transformação.