A Quarta Teoria Política de Alexandr Dugin não pode ser considerada fascista

Alexandr Dugin é um patriota russo iliberal (anti-liberal) e, embora tenha tido proximidade com o movimento “nacional-bolchevique” nos anos 1990, ele rompeu com essa ideologia e renunciou a tais ideias há muitos anos, conforme a evolução do seu pensamento.
Especialistas e acadêmicos que estudaram o pensamento de Dugin, como o historiador brasileiro Angelo Segrillo e a especialista em assuntos russos Marlene Laruelle, concordam que sua leitura é muitas vezes enviesada no Ocidente, onde raramente se sabe russo. Esses especialistas destacam que o pensamento de Dugin é complexo e não se reduz a nenhuma leitura “nacionalista” simplista.
Dugin mesmo deixou claro em sua obra “A Quarta Teoria Política” que rejeita todas as formas e variedades de racismo e qualquer hierarquização normativa de sociedades com base em fundamentos étnicos, religiosos, sociais, tecnológicos, econômicos ou culturais. Ele afirma que as diferenças entre sociedades não implicam na superioridade de uma sobre a outra e que qualquer tentativa de elevar uma avaliação subjetiva ao status de uma teoria é racismo.
Em seu livro, Dugin também rejeita o fascismo e o comunismo como ideologias ultrapassadas e busca uma alternativa ao liberalismo. Ele critica o racismo presente no nazismo e afirma que foi o racismo que levou à destruição da Alemanha e das Potências do Eixo, além de ter criminalizado todas as outras ideias do nacional-socialismo.
“A Quarta Teoria Política não pode ser a continuação seja da segunda teoria política ou da terceira. O fim do fascismo, muito como o fim do comunismo, não foi apenas um mal-entendido acidental, mas a expressão de uma lógica histórica bastante lúcida” (p. 27).
“As velhas alternativas ao liberalismo – comunismo e fascismo – foram historicamente superadas e descartadas: cada uma a sua própria maneira, porém elas demonstraram sua ineficácia e incompetência. Portanto, a busca por uma alternativa ao liberalismo deve ocorrer em outro lugar” (p. 49).
“Se começarmos com o fascismo e o nacional-socialismo, então aqui nós devemos definitivamente rejeitar todas as formas de racismo. O racismo é o que causou o colapso do nacional-socialismo no sentido histórico, geopolítico e teórico. Este não foi somente um colapso histórico, como também filosófico. O racismo é baseado na crença na superioridade objetiva inata de uma raça humana sobre outra. Foi sobretudo o racismo e não alguns outros aspectos do nacional-socialismo que gerou as consequências, que levaram a sofrimento imensurável, bem como ao colapso da Alemanha e das Potências do Eixo e à destruição de toda a construção ideológica da “terceira via”. A prática criminosa de varrer grupos étnicos inteiros (judeus, ciganos e eslavos) com base na raça estava precisamente enraizada na teoria racial – é isso que nos enfurece e choca em relação ao nazismo até hoje. Ademais, o antissemitismo de Hitler e a doutrina de que os eslavos são “sub-humanos” e devem ser colonizados, é o que levou a Alemanha a entrar em guerra contra a URSS (pelo que nós pagamos com milhões de vidas), bem como ao próprio fato de que os próprios alemães perderam sua liberdade política e o direito de participar na história política por um longo tempo (senão para sempre) (agora resta para elas apenas a economia e, na melhor das hipóteses, a ecologia). Os apoiadores da “terceira via” foram deixados na posição de párias e marginais ideológicos. Foi o racismo – na teoria e na prática – que criminalizou todos os outros aspectos do nacional-socialismo e do fascismo, fazendo dessas visões de mundo políticas o objeto de insultos e vilificação” (p. 70).
“A ideia de modernização é baseada na ideia de progresso”. (…) “Esse otimismo histórico pertence às três ideologias políticas clássicas (liberalismo, comunismo e fascismo). Ele está enraizado na visão de mundo científica, societária, política e social das ciências humanas e naturais dos séculos XVIII e XIX, quando a ideia de progresso, desenvolvimento e crescimento foi tomada como um ‘axioma’ que não estava sujeito à dúvida” (p. 94-5).
“Muito estranhamente, o fascismo, também, é um movimento evolucionista [assim como o liberalismo e o comunismo]”. (…) “Aqui [no fascismo], nós encontramos a mesma perspectiva progressista associada à ideia de desenvolvimento e evolução, a qual leva à hipótese da superioridade racial com base no fato de que as nações brancas possuem instrumentos sofisticados de produção de máquinas, enquanto outros grupos étnicos não”. (…) “Hoje, nós rejeitamos e criticamos o fascismo por seu componente racial, mas esquecemos de que essa ideologia também é construída sobre as ideias de progresso e evolução tanto quanto as outras duas teorias políticas da modernidade. Se nós fôssemos visualizar a essência da ideologia nazista e o papel do progresso e da evolução nela, então a conexão entre racismo e evolução se tornaria óbvia para nós. Essa conexão – de uma forma oculta – pode ser vista no liberalismo e mesmo no comunismo. Ainda que não biológico, nós vemos racismo cultural, tecnológico e econômico na ideologia do “livre mercado” e na ditadura do proletariado” (p. 103-4).
“Elementos do fascismo na pós-modernidade são representados pela prática do BDSM. Além disso, o fascismo contemporâneo – que é sadomaso e pervertido – vem para a pós-modernidade como um atributo essencial, juntamente com o feminismo, ciborgues, um ‘Corpo sem Órgãos’ etc” (p. 217-8).
“O programa negativo da “Quarta Teoria Política” soa assim, “Diga ‘não’ ao fascismo, ‘não’ ao comunismo, e ‘não’ ao liberalismo!” “O liberalismo não vai funcionar!” “Ele não passará!” (No pasará!), assim como o fascismo outrora falhou (no ha passado). O Muro de Berlim, também, caiu” (…) “Agora, o que resta é que os liberais “não passem” e “eles não passarão!” (No pasarán!). Mas para que eles “não passem”, os fragmentos do Muro de Berlim são insuficientes para nós, como o próprio Muro foi insuficiente. O Muro existia, mas eles ainda passavam. Ainda menos úteis são as sombras escuras do Terceiro Reich, seus “cadáveres independentes”, inspirando apenas a brutal juventude punk e os sonhos perturbadores e pervertidos de adeptos do sadomasoquismo” (p. 55-6).
Portanto, com base nas próprias palavras de Dugin, podemos concluir que nem a Quarta Teoria Política não é fascista e nem Dugin não pode ser considerado fascista ou racista. De qualquer forma, a Quarta Teoria Política, para nós, é inspiração e convite à construção de um horizonte para além das ideologias da modernidade. Nosso pensamento político concreto se baseia em alguns autores e personalidades históricas nacional-revolucionários e formulações próprias nossas.