A Origem Indígena do Chimarrão – Do Paraná ao Rio Grande do Sul

Hoje, 24 de abril, é marcante para nós sulistas. Nesta data, é celebrado o Dia do Chimarrão. A efemeridade foi instituída por lei estadual em 2003.
Inúmeras vezes quando um paranaense é visto sorvendo um bom chimarrão, são questionados se são do Rio Grande do Sul. Começo a pensar… O que leva a grande maioria das pessoas a afirmar que o chimarrão é um símbolo e tradição exclusivos da pátria Rio-Grandense? O intuito desse texto, não é travar uma batalha entre pátrias regionais para saber “de quem é o hábito de sorver o mate”, e sim afirmar a importância da erva-mate para a cultura paranaense e rio-grandense e sua difusão na região platina.
A descoberta da erva-mate pelos colonizadores espanhóis se deu nas terras de Guayrá (atual estado do Paraná) e esse hábito de consumir erva-mate é uma herança legada pelos índios Guarani, no século XVII, que tinha entre seus hábitos, o uso de uma bebida feita com folhas fragmentadas, ingerida em um pequeno Porongo por meio de um canudo de taquara de nome, TACUAPI, que tinha na base um trançado de fibras para impedir que as partículas das folhas fossem ingeridas.
A partir daí, os colonizadores entraram em contato então com a “caá-i” (que significa “água de erva saborosa”). Os conquistadores provaram o chimarrão e o acharam saboroso e com alguns poucos goles sentiam uma sensação de bem-estar no organismo, o que logo se tornou um costume diário pelos espanhóis, e em pouco tempo o comércio da erva-mate se tornava o mais rendoso entre as colônias, após a difusão pelos padres jesuítas nas Reduções missioneiras que se estendiam sobre os territórios do que hoje são a República do Paraguay, o oeste do estado do Paranã, as Misiones argentinas e o oeste da província oriental.
Fazendo plantio de ervais, depois de fracassos iniciais para germinar a semente, os jesuítas inventaram a caá-mini, pó grosso de erva-mate, que passou a valer três vezes mais e, com sua exportação, ganharam muito dinheiro, trazendo um período de opulência para as Reduções. Desta maneira também a erva-mate se tornou a grande força econômica a consolidar na época do tropeirismo realizado pelos gaúchos e curitibanos. Esse momento o uso do chimarrão se estendeu às margens do Prata, conquistando Buenos Aires, transpôs os Andes, e chegou a Potosi, na Bolívia.
No desenvolvimento da história do Paraná, a Ilex Paraguariensis (erva-mate) foi responsável pelo crescimento econômico, social e político do estado. Durante mais de um século, o mate foi para o Paraná o sustentáculo de sua economia. Eram frequentes, para não dizer quase obrigatórias, as mensagens do poder executivo ao legislativo estadual amplas informações, num tom quase sempre laudatório, à importância do papel que ela (erva-mate) representava para a Província durante o período colonial, depois, nas Repúblicas.
A erva-mate foi o principal motivo para se reabrir, reformar e se manter apta para a viação a conhecida Estrada da Graciosa, por onde os curitibanos transportaram por décadas surrões com erva-mate para o porto de Paranaguá e de lá, saíram navios abarrotados de erva para os países Platinos e o Chile. A erva-mate fez com que a então Quinta Comarca de São Paulo, hoje Paraná, se tornasse independente pela Lei Imperial n° 704 em 26 de agosto de 1853. Curitiba até então tinha 19 engenhos, Morretes 35 engenhos e São José dos Pinhais 2 engenhos de beneficiamento de erva-mate.
A erva-mate fez com que o Paraná virasse as costas para a Paulistânia luso-brasileira ao norte e mantivesse intenso comércio próprio, por meio de tropas com os orientais (rio-grandenses e uruguaios) e principalmente argentinos de Corrientes. Nós gaúchos e curitibanos tropeiros íamos à pata de cavalo, via estrada das missões até Corrientes levar surrões de erva-mate e trazemos de volta, prata, cavalos e mulas. Mas este doce amargo de nossa história eu conto em outra tertúlia.
O chimarrão, tão importante, histórico, simbólico e característico ao Sul platino, quanto a gralha azul, quero quero, a araucária e a figueira, merece ser homenageada como um ramo de erva-mate na bandeira da pátria verde e branca.
O jurista e escritor A. J. de Macedo Soares, que foi juiz de Direito da Comarca de Campo Largo, foi autor de uma notícia sobre O mate do Paraná, e que foi oferecida à Comissão Central de Exposição do Paraná em 1875. O autor afirmava que o Paraná, com uma população de 127 mil almas (habitantes), consumia nessa época, segundo os seus cálculos, cerca de 750 arrobas de erva, o que equivalia a 4 milhões de quilos de consumo anual. O cálculo por ele realizado estimava três cuias de chimarrão ao dia, por pessoa
Como ou porque o Paraná esqueceu de chimarrear? O que aconteceu com o perfume ervateiro que inundava o planalto curitibano? O que os torna míopes para confundirem um ramo de erva-mate da bandeira do Paraná com um ramo de café? O alento é que de 2006 para cá, o Paraná voltou a ser o maior produtor de erva-mate do da região sul, com mais de 170 cidades produtoras.
Sulistas de todas as querências, brindemos numa charla fraterna entre irmãos com um bom chimarrão topetudo, pois nele enxergamos nossos pagos, seja no verde da erva que confundimos com os campos e matas de pinheirais, onde a erva-mate cresce nativa, do verde do Pampa ou na mescla do verde-branco da espuma que recorda nossos pastos, boqueirões e campos cobertos de geada.
Uma gota de mate no sangue dos sulistas que hão de nascer não faria nada mal para sacarmos e mostrarmos a quem quiser ver, uma das mais importantes facetas de nossa identidade regional. Saibam os que leem estas linhas, que o chimarrão é a bebida típica, símbolo do Paraná e de todo o Sul Platino!
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
COSTA, Samuel Guimarães da. A erva-mate. Curitiba: Coleção Farol do Saber, 1995.
FERREIRA, João Carlos Vicente. O Paraná e seus municípios. Cuiabá: Memória do Brasil, 1999.
LESSA, Barbosa. História do chimarrão. 3. ed. Porto Alegre: Sulina, 1986.
LINHARES, Temístocles. História econômica do mate. Coleção Documentos Brasileiros. Rio de Janeiro: José Olímpio, 1969.