Nacionalismo como Anti-tradição

Por Alexander Dugin
Tradução Guilherme Fernandes
Naturalmente, o liberalismo corresponde mais plenamente ao sistema capitalista e foi originalmente concebido como globalismo, ou seja, como a difusão das normas e atitudes do sistema burguês para toda a humanidade. Isto, aliás, foi bem compreendido pelos marxistas. O nacionalismo, por outro lado, foi uma etapa intermediária quando era necessário destruir as instituições pan-europeias da Idade Média – o catolicismo, o Império, a organização estamental da sociedade, e oferecer algo em troca da preservação temporária do Estado, já capturado pela oligarquia burguesa. Não surpreende que o nacionalismo tenha surgido pela primeira vez nos países protestantes, onde, partindo da Holanda e da Inglaterra, vemos os três principais sinais do capitalismo emergente (anti-igreja, anti-império, anti-hierarquia) – repúdio a Roma, oposição feroz aos Habsburgos e transferência da iniciativa na economia e na política da aristocracia e do sacerdócio para a classe dos comerciantes urbanos.
Agora, mais especificamente sobre o nacionalismo. O nacionalismo é um fenômeno burguês-capitalista ocidental. Ele aparece na Europa como a rejeição do modo de vida medieval – religião, uma única igreja europeia, o Império, a organização estamental da sociedade. O nacionalismo europeu é a mesma construção artificial e instrumental que outras versões das ideologias ocidentais. Ele não é uma alternativa à modernidade capitalista, é seu produto direto.
Foram os círculos burgueses antitradicionais – anticatólicos, antiestamentais e anti-imperiais – das sociedades europeias que se tornaram os principais portadores do nacionalismo.
Historicamente, o capitalismo se desenvolveu em fases: primeiro na forma de nacionalismo, depois na forma de liberalismo globalista, embora as teorias liberais tenham sido formadas em uma fase inicial, e o globalismo de Adam Smith era idêntico em seus contornos aos territórios do império colonial britânico mundial.
Com o sucesso do sistema burguês, o capitalismo tornou-se cada vez mais liberal e cada vez menos nacional, mas em muitos casos as formas nacionais não desapareceram – os Estados nacionais burgueses sobreviveram até os dias de hoje. Os globalistas liberais modernos querem aboli-los o quanto antes, transferindo poder para o governo mundial, mas eles ainda existem e, se necessário, são usados pelas elites capitalistas que os controlam. Entretanto, é lógico considerar o nacionalismo um estágio inicial do capitalismo, e o liberalismo (globalismo) um estágio tardio.
O comunismo, neste contexto, é um desvio. Os comunistas (pelo menos os marxistas dogmáticos) são solidários com os globalistas na rejeição dos Estados-nações e consideram o triunfo do capitalismo cosmopolita em uma escala planetária necessária e inevitável. Portanto, na luta contra regimes claramente nacionalistas, eles muitas vezes se encontram do lado dos liberais.
Mas, ao mesmo tempo, eles estão esperando o momento em que o sistema capitalista, tendo se tornado global e internacional, entrará em crise, e então, em sua opinião, serão criadas as condições para a revolução do mundo proletário. É aqui que o confronto entre o comunismo e o liberalismo se fará sentir. Tal é a teoria abstrata do comunismo, completamente refutada pela prática histórica. De fato, os regimes comunistas não tomaram forma em uma sociedade capitalista e internacional, mas em países agrários com um estilo de vida quase medieval. E eles se tornaram algo nacional-bolchevique, que uma parte significativa dos marxistas ocidentais geralmente se recusava a considerar “socialismo” ou “comunismo”. Assim, ao contrário da teoria marxista pura, alguns regimes comunistas (Rússia soviética, China, etc.) começaram a construir o socialismo em um só país, ou seja, na verdade, ligaram o comunismo ao contexto nacional (sem dar, no entanto, uma formulação teórica).
Tudo isso criou uma terrível confusão de termos, já que todos os partidos foram forçados a fazer contorcionismos ideológicos e movimentos de propaganda destinados a obscurecer de alguma forma as contradições teóricas óbvias.
Em qualquer caso, o nacionalismo é algo puramente moderno, ocidental e capitalista.
Trecho do artigo Nationalism: criminal fiction and ideological impasse | Katehon think tank. Geopolitics & Tradition