Sobre o Conceito de ‘Caudilho’ e Seu Papel Na Independência da Ibero-América

Sobre o Conceito de ‘Caudilho’ e Seu Papel Na Independência da Ibero-América

Por Gonzalo V. Montoro Gil

Tradução Guilherme Fernandes / Resistência Sulista

A definição de ‘Caudilho’ em termos de seu significado positivo ou negativo variou ao longo do tempo. A historiadora oriental Ana Ribeiro afirma em sua obra dedicada à vida de José Gervasio de Artigas que “A historiografia contemporânea dá ao ‘Caudilho’ o sentido de ‘melhor gaúcho’, reconhecendo sua liderança como uma das formas primitivas de associação política. No entanto, entre seus contemporâneos, apenas seus detratores o chamavam assim. Para seus seguidores, por outro lado, os títulos eram, ora pomposos, ora formais dependendo se legitimavam ou apenas nomeavam: ‘O General’, ‘o Protetor’ ou ‘Artigas’ simplesmente. Mais tarde, na historiografia do século 20, ‘Caudilho’ e ‘Gaucho’ tornaram-se superlativos do patriotismo. O ‘Caudilho’ é, então, uma elaboração historiográfica que sintetiza a liderança invertendo o estigma embora tenha recebido como uma nova forma política que irrompeu no Prata”.

O autor apresenta-nos um parágrafo escrito a este respeito por Juan B. Alberdi, pelo qual Alberdi entende que o referido nome de ‘Caudilho’, foi dado pelos monarquistas àqueles que lutaram contra eles e que, como não eram soldados de carreira, eles não queriam dar o nome, entidade de ‘Generais’ aos seus chefes; por esse motivo, eram chamados de “Caudilhos” de forma depreciativa.

“O que os povos estavam fazendo para lutar contra a Espanha e contra Buenos Aires, em defesa de sua liberdade ameaçada de ambos os lados? Não tendo os militares em boa posição, eles receberam novos líderes tirados de seu seio. Como todos os chefes populares, eles eram simples conterrâneos na maior parte do tempo. Nem eles nem seus soldados improvisados ​​como eles sabiam ou podiam praticar a disciplina militar. Pelo contrário, o triunfo sobre a disciplina, que era o reduto do inimigo, pela guerra à vontade e sem regra, deve ser o reduto dos líderes da independência (…). O realismo espanhol foi o primeiro a chamar os caudilhos, pelo apelido, os chefes americanos nos quais não queria ver generais.”

‘Caudilho’ deriva do latim: ‘capitellum’, ‘cabeça’: é um termo usado para se referir a um líder ou seja, um político, militar ou ideológo.

Ao longo dos tempos, diferentes Caudilhos, líderes ou grupos de líderes políticos levaram suas nações ao topo das conquistas civilizatórias políticas, sociais e econômicas.

Eles foram registrados nos livros de história como arquitetos, criadores de impérios onde a cultura, a política brilharam em seu mais alto grau e produziram tal grau de grandeza para suas nações que foram amados por seus povos (embora certamente não o tenham sido. por outros povos estranhos que lutaram contra eles).

Agora, surge a pergunta: para que esses caudilhos existam e triunfem, é necessário a existência de um povo cujo meio é formado por homens e mulheres de grande valor, de grande caráter, de grande patriotismo para que surja entre eles o caudilho que os conduza ou os guie para a glória?

Ou, ao contrário, a existência de um caudilho emergente de uma sociedade plana, medíocre, mesocrática, covarde, hedonista, pode fazer esta sociedade se erguer, fazer um valor aparecer em muitos de seus habitantes até tão desconhecido, fazer com que a bravura e o patriotismo pareçam até aquele momento totalmente inexistentes ou ocultos, arrastando seu povo adormecido à ressurreição e à grandeza?

Então, como discernir as semelhanças entre os políticos e as pessoas que eles alegam representar? Os povos têm governos que se assemelham a eles em sua exaltação ou em sua mediocridade e fraqueza? Isso vem à mente por algumas frases ou reflexões que estão na literatura de diferentes lugares e que nos fazem meditar sobre a questão anterior.

Por exemplo, Joseph de Maistre diz que “cada nação tem o governo que merece” e se o governo for medíocre ou decididamente ruim, é a consequência de um povo que a eleva ou sustenta da mesma linha, compreendendo assim o desconhecimento da dita sociedade da época. Não sabemos ao certo se a definição de De Maistre é assim em termos de “méritos”, mas a vida não se baseia apenas em “méritos”, que é mais uma expressão de anseio do que de realidades. Em suma, ‘facta, non verba’.

Existem vários pensadores de diferentes épocas que, com palavras diferentes, têm um pensamento semelhante. Jacinto Benavente: “Os fracos e preguiçosos, sem vontade e sem consciência são os que têm prazer em ser mal governados”. Simón Bolívar também disse que “um povo ignorante é um instrumento cego de sua própria destruição”. E Víctor Hugo: “Entre um governo que o faz mal e um povo que o consente há uma certa cumplicidade vergonhosa”.

E também, com ironia e sagacidade, um jornalista e escritor brasileiro chamado Apparicio Fernando de Brinkerhoff Torelly (Barón de Itararé), disse no início do século XX: “Se há um idiota no poder, é porque aqueles que o elegeram estão bem representados.”

Com isso não queremos dizer necessariamente que todo um povo tem consciência de seu destino ou de sua vontade de grandeza, mas sim se, no mínimo, uma extensa classe dominante que marcha nessa direção e que com suas ações conduz seu povo a esse destino. De grandeza e unidade que eles criaram, caso contrário, seria claro que de um povo sem esperança, entregue ao poder estrangeiro, a existência ou liderança de um líder nacional seria quase impossível.

Isso nos traz à mente que na luta que temos travado com o Império ou a República do Brasil, especialmente durante muitos anos antes e depois da Batalha de Caseros em 1852, observamos que do nosso lado, e em questões políticas e diplomáticas, só nós tivemos Juan Manuel de Rosas como um político e diplomata brilhante; que colocou sobre seus ombros todo o peso do exercício de governo da Confederação Argentina; Os que o apoiavam, embora fossem bons assistentes e escribas, moviam-se no tempo com as ideias e ações de Rosas (Manuel Moreno, Manuel de Sarratea, Bernardo de Irigoyen, Felipe Arana, Vicente López y Planes, Tomás Guido, etc.) mas careciam de uma visão sustentada e ilustre da política nacional completa. Em última análise, Rosas ficou sozinho a nível da formulação e defensor da dita política nacional, sobretudo depois da morte de Tomás de Anchorena em 1847, o único que pôde estar no auge da estratégia política e diplomática.

Tanto é, que assim que Rosas perde em Caseros, todos eles se voltaram e se acomodaram sem colocar colorados às novas idéias políticas dos vencedores totalmente contrárias às políticas nacionais implementadas até o dia anterior a 3 de fevereiro de 1852 pelo Governo soberano de Rosas e a Confederação Argentina.

Por outro lado, o Brasil por anos e anos antes de Caseros e também por anos e anos depois dessa batalha, teve e sustentou uma política nacional coerente e persistente baseada, não apenas no Imperador Dom Pedro II, mas num corpo político e diplomático, inumerável, extraordinário, homogêneo, sólido e criativo em várias áreas que finalmente lhes deu o triunfo.

O livro de José María Rosa (‘The Fall of Roses’) é detalhado a este respeito: Honorio Hermeto Carneiro Leão (‘Marqués de Paraná’), Paulino José Soares de Souza, (‘Visconde do Uruguai’), Manuel Marques de Souza, (‘Conde de Porto Alegre’), Bernardo Pereyra de Vasconcellos, Luis de Lima e Silva (‘Duque de Caxias’), Rodrigo de Souza de Silva Pontes, Antonio Paulino Limpo Abreu (‘Vizconde de Abaté’), Evangelista de Souza (‘Vizconde de Mauá’), Pimienta Bueno, Ponte Ribeiro, e tantos outros estabelecem uma grande e sólida corporação política e geopolítica praticamente indestrutível e com uma visão de longo prazo e sem tempo no interesse de seu país.

Bem, seja como for, não está claro se essa abundância de políticos e pensadores brasileiros excepcionais foi o surgimento de um povo ciente de sua grandeza ou o contrário; a existência desses grandes homens – apesar de um povo sem muito discernimento – levou seu povo e sua nação à grandeza política e territorial de que agora se orgulha. Na frente, apenas Rosas em sua solidão.

No Cantar del Mio Cid, versículo 20, o povo de Burgos é levado a dizer quando vêem Rodrigo Díaz de Vivar (‘El Cid Campeador’) passar herói daqueles tempos “Deus, que bom vassalo se houvesse um bom senhor” acusando o rei Afonso VI de ter rejeitado um soldado tão bom. Insinuando que o Cid, representando um povo corajoso, não poderia fazer muito na ausência de um líder, um rei que iria guiar com coragem e sabedoria aquele povo encarnado no Cid. Fala da impotência, como diria Antonio Caponnetto, de um povo representado por heróicos vassalos de um Rei ausente que não se coloca à frente de sua nação.

Aqui queremos sugerir que não necessariamente a qualidade inferior de um governante implica que seu povo – neste caso, representado pelo Cid, seu vassalo e os Burgos – são da mesma condição medíocre, mas que se houvesse um Rei (‘Senhor’) no auge dos tempos em que sabia liderar ou guiar, certamente o vassalo teria sido ainda melhor e teria conquistado a grandeza de sua terra com sua luta.

 José Hernández em seu ‘Martín Fierro’, faz o protagonista dizer que sofreu a perseguição do unitarismo triunfante em todo o território, que esse sofrimento só acabaria quando … “algum crioulo venha a esta terra para mandar”.

Isso significaria que o aparecimento de um chefe arrastaria o povo adormecido à sua ressurreição e não que um povo desperto e vitorioso faria surgir um Líder ou Líder para guiá-los. Assim, uma sociedade enfraquecida, anárquica, socialmente desequilibrada e em estado de decomposição pode ser um cenário ideal para o surgimento de uma nova e saudável ditadura nacional que traz ordem, segundo Hernández.

Uma vez que os fatos foram levantados, a questão que levantamos acima surge novamente: Para um povo oprimido, espancado, ressurgido, reconstituído, uma base, uma matéria-prima de um povo existencialmente inteligente requer como condição e dessa forma o caudilho inevitavelmente aparecerá? Exemplo disso foi José G. de Artigas, que teve um povo com consciência histórica, que o seguiu à luz do sol e da sombra, lutando ao seu lado e que confiavam em sua liderança para preservar sua liberdade frente ao império brasileiro que tentava repetidas vezes confiscar a Banda Oriental.

Ou, ao contrário, a reconstituição de uma nação não acontece tanto, porque há um povo valente, guerreiro, sólido em seu conhecimento do destino universal para o surgimento de um caudilho, mas antes que um caudilho apareça primeiro em meio a tanto fraqueza ou A mediocridade do povo de que surge, guiando aquelas massas informes, de profunda planura volitiva e cultural, para uma restauração de seu caráter nacional e uma persistente dedicação à grandeza de seu país?

Como nos apresenta Antonio Caponnetto em referência a uma Encíclica de Pio XI sobre o mestre chamada ‘Divini Illius Magistri’ de 31 de dezembro de 1929, pela qual ele nos ensina que primeiro é o Caudillo, o guia, o educador cristão, o chefe que um destino promissor é imposto a seu povo por força de lucidez e coragem.

Ora, poderia acontecer que esse Caudilho existisse, mas a existência de uma sociedade degradada, em grande parte corrompida, faria com que o Caudilho permanecesse ‘invisível’, sem reconhecer e seguir seus arquétipos, segundo Caponnetto. Nesse caso, poderiam haver Caudilhos, patriotas tidos como modelos, como arquétipos, mas permaneceriam “em potencial” porque não haveria sociedade que os reconhecesse como tais. Isso é o que entendemos que acontece na Argentina: Tivemos um excelente chefe, Mohamed Seineldín, por exemplo, mas o povo em massa não soube perceber a grandeza de um dos últimos Caudilhos de nosso país.

Então, sim, podemos dizer que o Caudilho vem primeiro, mas deve haver um povo, alguns dirigentes desse povo que reconheçam sua existência, sua honra e dignidade, que o percebam como nosso povo na época reconheceu Juan Manuel de Rosas como seu Caudilho que nos guiaria à grandeza do país.

Este último remete-nos ao tempo anterior à guerra civil espanhola e a José Antonio Primo de Rivera ou Francisco Franco onde a cidade era uma loucura sem vontade de grandeza, perdendo o seu norte, afundando-se até quase desaparecer como entidade soberana. Mas apareceram esses homens e um pequeno grupo de líderes que lideraram uma luta titânica para fazer ressurgir a Espanha e um povo que parecia acordar de sua letargia inesperadamente, em uma reação visceral e de sobrevivência.

José Antonio Jiménez Arnau comentou o que José Antonio Primo de Rivera sempre dizia sobre o Chefe ou Líder: “o chefe não deve obedecer ao povo. Deve servi-lo, o que é uma coisa diferente: Servi-lo é ordenar o exercício do comando para o bem do povo, buscando o bem dos governados, embora o próprio povo não saiba o que é o seu bem; isto é: sentir-se de acordo com o destino histórico popular, embora seja diferente do que a massa deseja”.

Além disso, e na dúvida, José Antonio Primo de Rivera disse que “só as minorias são as que fazem história e fazem revoluções”.

Nazareno Mezzetti referindo-se a Stuart Mill disse que para os ingleses nenhum estado jamais foi capaz de superar a mediocridade, mas apenas onde o povo foi guiado pelo conselho ou influência de um ou alguns homens dotados de gênio superior e mais educados do que a generalidade.

Além disso, e no mesmo sentido, Benito Mussolini disse que o movimento operário sempre lidou com as pequenas minorias que os lideravam.

A dúvida não é vã: diante da existência de um povo forte, com vontade de existir por conta própria, com coesão, com caráter, com desejo de transcender e fazer transcender sua nação no concerto das nações, enfim, o caudilho que os guia aparecerá em algum ponto dentre aquele povo, mas essa classe de pessoas ou de um grupo de líderes é uma condição necessária?

Pelos critérios apresentados por estes últimos pensadores referidos parece que não … e isso seria uma bênção para o nosso povo.

Bem, se for necessário, vemos que é difícil um caudilho surgir do nada na Argentina (por causa dos esfarrapados, fracos, materialistas, devotados apenas ao consumo, esquecidos de suas raízes, carentes de sacrifícios, tímidos que nosso povo apresenta hoje) e que fazem nossos homens ressuscitarem e como conseqüência colocar nosso país de pé no pleno exercício de sua soberania. Deus vai dizer….

Bibliografias:

HERNANDEZ, José (‘ Martín Fierro’ -Canto XII – ‘Ansí estava no jogo’. – 347 ss.).

JIMÉNEZ ARNAU, José Antonio (“ Semana de José Antonio na Rádio Nacional ” – conferência de José Antonio Jiménez Arnau -11-19-1938- em ‘Dor e Memória da Espanha’ – Sobre o 2º aniversário da morte de José Antonio- Ediciones Hierarquía – 1939 , Madri, Espanha)

MAISTRE, Joseph de  (‘Considerações sobre a França’ –  1797)

MAISTRE, Joseph de  (‘Cartas a um cavalheiro russo sobre a Inquisição Espanhola’) .

MEZZETTI, Nazareno (‘MUSSOLINI y La Cuestion Social’ – Ediciones El Baluarte-Bs.As-Argentina- página 26 / 27-2020)

MONTORO GIL, Gonzalo V ( ‘Ditadura’ não é sinônimo de ‘Tirania’ ) – O Mensageiro da Confederação Argentina – agosto de 2021)

https://elmensajerodelaconfederacionargentina.blogspot.com/2021/08/dictadura-no-es-sinonimo-de-tirania.html.

MONTORO GIL, Gonzalo V.  (‘O empirismo organizador como base para a restauração da soberania nacional’ – O Mensageiro da Confederação Argentina – fevereiro de 2019)

https://elmensajerodelaconfederacionargentina.blogspot.com/2019/02/el-empirismo-organizador-como-base-para_27.html- FEVEREIRO 2019

PIO XI (Encíclica ‘ Divini Illius Magistri’  de 31 de dezembro de 1929)

RIBEIRO, Ana  (“O Caudillo e o Ditador ” – Editorial Planeta, Montevidéu – 4ª Edição 2008).

XIMENEZ DE SANDOVAL, Felipe (“José Antonio, Passionate Biography” 7ª Edição, página 461- Editorial New Force-1976, Madrid, Espanha)

FONTE:

https://elmensajerodelaconfederacionargentina.blogspot.com/2021/09/sobre-el-concepto-del-caudillo-y-su.html?m=1

Guilherme Fernandes

Guilherme Fernandes

Membro da Resistência Sulista e Dono do blog Tierra Australes. Também um ativista ferrenho pela reunificação do Uruguai e do Rio Grande do Sul como uma só pátria sob o estandarte de José Artigas.

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