Diego Fusaro: Uma Esquerda de Direita?

Diego Fusaro: Uma Esquerda de Direita?

Por Jaime Revês

Tradução: Guilherme Fernandes / Resistência Sulista

Como Obi-Wan Kenobi diria, há uma comoção na Força. No momento, é apenas o bater de asas de uma borboleta. O tempo dirá se vai acabar sendo um furacão. Além da gritaria das arquibancadas e das manchetes dos jornais, há algo que está mudando no debate de fundo. Na esquerda hoje existe um certo desencanto causado pelo fim do ciclo dos 15-M, o esgotamento do Podemos e o enorme fosso que existe entre a agenda progressista e as reais necessidades das classes médias. A esquerda se perde nos debates sobre a eutanásia e as leis trans, enquanto os mortais comuns veem seu salário diminuir, seu trabalho é cada vez mais precário e a conta de luz cresce inexplicavelmente.

Essa sensação de mal-estar que se respira na margem esquerda é o que explica o sucesso da Feria na Espanha. Ana Iris Simón bateu nas teclas certas com o piano. Em seu livro a escritora reflete (como quem não quer) sobre os inexplicáveis ​​problemas que a esquerda tem com questões que para a maioria dos mortais são naturais. Seu desprezo pela família, sua alergia a símbolos nacionais ou sua obsessão em divulgar um falso feminismo que entende a emancipação da mulher com sua capacidade de voltar para casa sozinha e bêbada.

A POLÊMICA DA TEMPORADA

No meio cultural, Diego Fusaro é um dos nomes que começa a soar como uma possível bússola para superar a desorientação da esquerda. Fusaro (Turin, 1983) se apresenta no Twitter como um “discípulo independente de Hegel e Marx” e afirmar se posicionar “além da direita e da esquerda, contra o turbo-capitalismo”.

Há alguns anos, Esteban Hernández publicou uma entrevista com Fusaro no El Confidencial. Nele, o pensador italiano denuncia que “muitos idiotas que se dizem ‘de esquerda’ lutam contra o fascismo, que já não existe, para aceitar o totalitarismo do mercado”. E acrescentou que a esquerda traiu os trabalhadores. “As esquerdas não são mais vermelhas, mas fúcsia, não são mais o martelo e a foice, mas o arco-íris.” Fusaro incentivou o fortalecimento dos laços que poderiam conter a expansão do capitalismo globalizante e cosmopolita: a família, a união, a escola, a universidade e o Estado-nação. Ex-deputado do United We Can, Manolo Monereo convidou todos nas redes sociais para aprender sobre as ideias de Fusaro. Claro, os odiadores pularam para a jugular.

No mês seguinte, Steven Forti chamou Fusaro no CTXT de “um cavalo de Tróia da extrema direita” e criticou aquela “ainda minoria” esquerda que está fascinada pelas ideias do italiano. Alberto Garzón afirmou ter lido Fusaro e não ter encontrado uma única ideia de esquerda em suas páginas.

Hasel París Álvarez publicou um artigo na revista marxista El Viejo Topo intitulado “Íñigo Errejón, ¿el Fusaro español?”. Nesta peça, o autor mergulhou “na polémica intelectual da época” e saiu em defesa de Fusaro, “o pensador de esquerda acusado de ter várias ideias de direita”. Este artigo acertou contas com aquela esquerda hegemônica cuja agenda social cumpria a tarefa de demolir o Estado, a identidade nacional e a família que levou à atomização e precariedade da sociedade e, portanto, facilitou o domínio das elites internacionais plutocráticas.  

O sismógrafo do setor editorial deve ter percebido as vibrações do subsolo porque na primavera passada a Alianza decidiu publicar História e divulgação do precariado. Servos e senhores da globalização. Isso é importante porque até agora Fusaro havia sido publicado em espanhol por El Viejo Topo (marxista) e Fides (pós-fascista).

Por fim, em junho passado, Víctor Lenore deu entrevista completa a Fusaro nas páginas de Vozpopuli. O italiano, cada vez mais provocador e politicamente incorreto, argumentou que a ascensão da direita como Le Pen foi devido à traição da esquerda. “Eles traíram Gramsci, Marx e a classe trabalhadora para se tornarem os guardiões do arco-íris do grande capital: o que a esquerda do costume defende é o mesmo que o direito do dinheiro quer”.

Mas não era ficar aqui. O filósofo afirmou que ” quer ganhe a direita azul turquesa ou ganhe a esquerda fúcsia, em todo caso o que sai ganhando é o capital, que só tem uma direita e uma esquerda”. E acrescentou algo que resume bem o seu pensamento de uma matriz comunitária e nacional-popular:

“A geografia política mudou: não há mais direita ou esquerda, mas acima e abaixo: o ‘acima’ da elite turbo financeira exige abertura para suas atividades, desregulamentação econômica e antropológica, globalismo e flexibilidade em todas as áreas, do trabalho ao gênero; ao invés, o ‘embaixo’ deve lutar por um estado nacional democrático soberano e pela ética no sentido hegeliano, ou seja, as ‘raízes éticas’ da comunidade, da educação aos sindicatos”.

O poder desse discurso está irritando a classe política e a intelectualidade de esquerda. Incomoda-os o fato de ele nunca ter sido membro de uma organização de esquerda ou compartilhado manias e protestos com eles. Chamaram Fusaro de tudo: egocêntrico, ruivo ou –diretamente- neofascista.

Agora, o que há com esse marxista cujas ideias assustam mais à esquerda do que a direita?

A síntese de pensamento de Fusaro oferece resultados surpreendentes. Fusaro defende a nação, a família e as tradições populares. Mas sua resposta não vem “da direita”, mas de Marx e Gramsci, de Hegel e dos gregos.

DEFESA DA NAÇÃO

Fusaro entende que a única forma de resguardar os reais interesses do “precariado” (entendido como uma classe dos vencidos pela globalização) é defender o interesse nacional como união solidária e laboral dos trabalhadores e pequenos empresários locais contra o “parasitismo do capital financeiro e da aristocracia financeira apátrida”. Quem questiona a ideia de nação vai contra os interesses dos trabalhadores, seja à esquerda fúcsia ou as ONGs bem pensadas que operam com subsídios internacionais.

 VALORES CERTOS, IDEIAS ESQUERDAS

Se o “Senhor Globalista”, que está no topo, é deixado em valores (globalismo, libertinagem, radicalismo libertário, eliminação de fronteiras) e certo em ideias (competitivismo, desregulamentação, privatização, despolitização), o Servo nacional -popular, o que está abaixo, deve ser o oposto. Deve assumir valores de direita (raízes, pátria, honra, lealdade, transcendência, família, ética) e ideias de esquerda (emancipação, direitos sociais, igualdade material e liberdade formal, dignidade do trabalho, socialismo democrático na produção e distribuição). Esta abordagem não é tão diferente de algumas formações de direita soberana ou baseadas na identidade, como a Frente Nacional, que defende “O direito dos valores e o esquerdo do trabalho”.

PROTEÇÃO FAMILIAR

Para o italiano, a família é uma comunidade que se opõe ao capitalismo absoluto porque “impõe um altruísmo particular impenetrável à lógica utilitarista e ao individualismo aquisitivo”. Caso haja alguma dúvida, Fusaro esclarece que, para ele, a família é a comunidade imediata baseada no amor, na confiança, na diferença natural dos sexos e na formação educacional dos filhos.

Na Nova Ordem Erótica. Em louvor ao amor e à família, Fusaro acusa a promiscuidade e a falta de compromisso como reflexo do consumismo capitalista aplicado às relações afetivas. Fusaro cita Chesterton quando sentiu que o capitalismo seria a verdadeira força que destruiria ou tentaria destruir a família. Fusaro sustenta que hoje “casar é um ato revolucionário” e chega a afirmar que “enquanto houver família, haverá esperança”.

Em um artigo sobre Don Juan, ele diz o seguinte:

“Seguindo o mito do novo, Don Juan, como seus atuais sucessores pós-modernos, apenas sempre repete a mesma experiência de gozo sem cabeça e autista, que nunca se estabiliza de maneira ética e duradoura (…) O hic et nunc (aqui e agora) de o prazer excedente sem interdições e com desinteresse constante pelo outro constitui a essência do solipsismo erótico típico do neo-libertinismo consistente com a acumulação flexível”.

CONTRA A EUTANÁSIA

Para Fusaro, barriga de aluguel é a expressão mais recente do capitalismo, que leva até mesmo à comercialização da vida e à transformação do corpo da mãe em mais um bem de consumo. Ao mesmo tempo, ele se opõe à “tanatopolítica da eutanásia como liberdade para a morte”.

MANUTENÇÃO DE TRADIÇÕES RELIGIOSAS POPULARES

Em sua lógica de oposição frontal ao turbo capitalismo, Fusaro questionou em um artigo o consumismo que estava encerrando as comemorações do Natal italiano. “Com uma euforia monótona e entusiasmo superficial, celebramos a Black Friday – o ápice da alienação – e ficamos irritados onde a manjedoura ainda está. “

UM NOVO CAMINHO?

O surgimento de uma voz como a de Diego Fusaro talvez seja o sinal de que o debate sobre o sentido da política, da economia e da cultura precisa ser repensado. Não sabemos se as ideias de Fusaro serão desenvolvidas na Espanha. Tudo pode ficar na vibração de uma borboleta ou sofrer a força de um furacão. Não sabemos se no futuro haverá uma aliança de patriotas de direita e patriotas de esquerda para enfrentar os problemas do século XXI. Mas o simples fato de imaginar uma saída para o confronto da guerra civil é revigorante. Não tenha medo: leia Diego Fusaro.

Fonte: https://revistacentinela.es/diego-fusaro-una-izquierda-de-derechas/?fbclid=IwAR2s_S4VCIu_U24jcx59h3MbT07lKrAkY0R8ShNmd4PtegEeHuNQNXMe2OQ

Guilherme Fernandes

Guilherme Fernandes

índio gaúcho e vice-presidente da Resistência Sulista

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