O Progressismo e a Falsa Preocupação Com os Lanceiros Negros

Por Aurora Precursora
“O primeiro passo para liquidar um povo é apagar-lhe a memória. Destruir os seus livros, a sua cultura, a sua história. Depois, arranjar alguém que escreva novos livros, fabrique uma nova cultura, invente uma nova “história”. Em breve, a nação começará a esquecer-se daquilo que é e daquilo que foi.” – Milan Kundera
Infelizmente ainda há muitos viventes que não entendem o verdadeiro significado de ser gaúcho. Temos pena de pessoas assim, mas nós orgulhamos que todavia existem seres que lutam para honrar o verdadeiro significado de ser gaúcho. Sempre surgem em setembro, esses pseudo jornalistas, que fazem da ignorância sobre o assunto, o motivo da crítica, às vezes, exacerbada. É fácil, eles jamais entenderão os motivos do orgulho, pois eles buscam no lugar errado, procuram no resultado de uma guerra, com várias teorias de derrotismo, e a resposta está na complexidade da história de lutas, de brios e de orgulho de uma raça.
Geralmente jornalistas cometem equívocos absurdos ao tentar desconstruir a história, seus mitos e legados…eles têm um grande dom de narrativa, mas não possuem discernimento para analisar corretamente os “reflexos” da história e preferem a teatralização do “bem” e do “mal”, entenda-se maniqueísmo…Ou seja, nesta visão jornalística nefasta, alguém sempre precisa ser o “bandidinho” e outro tem que ser o “mocinho” da história…
E muitos que leem esses jornalistas pseudo historiadores progressistas, que não passam de ficcionistas/propagandistas querendo chamar atenção, são pessoas “mentalmente preguiçosas” que só enxergam a superficialidade dos fatos…
Munidos desses relatos, cujo o único compromisso é a desconstrução dos fatos e não a contextualização da época, jovens acadêmicos lacradores revivem o confronto entre farrapos e imperiais. Porém, só trocam os personagens do enredo. Farrapos, outrora abolicionistas e revolucionários que lutavam por uma república “avançada e civilizada”, na visão desses destruidores de reputações, assumiram o papel dos imperiais “escravagistas e fascistas”.
Para esconder o fato de que alguns farrapos – eram sim, abolicionistas como Souza Neto, Mariano de Mattos, Domingos José de Almeida, José Gomes Portilho, Ulhoa Cintra, entre outros chefes republicanos – agora colocam os lanceiros negros como fossem apenas vítimas dos comandados de Bento Gonçalves. É bom deixar claro que os lanceiros faziam parte do exército farrapo, eram heróis que lutaram pela liberdade, e foram vitimados pelos imperiais brasileiros.
Vale lembrar que nem todos os negros estavam em Porongos e, não há comprovação sobre a culpabilidade dos farrapos no massacre, uma vez que a própria carta de Caxias nunca foi encontrada, e a que mencionam alguns relatam que foi forjada por Moringue para desestabilizar os Farroupilhas e dar fim à guerra. Não há nenhuma prova da traição dos farrapos através de Davi Canabarro, sendo este julgado e absolvido de todas as acusações. E não cabe querer analisar a história com a visão atual, causa este tipo de discussão infundada. Antes de tentar criar heróis ou vilões, o importante é estudar e esclarecer as causas e consequências dos fatos.
Ademais, o único intuito de tomar o legado dos lanceiros negros para o lado progressista é buscar autopromoção junto às comunidades negras rio-grandenses. São os típicos progressistas, luvas de seda da política, que têm asco de gente. Na internet, posam de politicamente corretos e defensores dos oprimidos com fotinhos e textões. Na vida real, recusam a sentar-se à mesa com pessoas humildes, nas ruas passam longe do povo negro.
Não passam de avatares de um “avanço” que no cotidiano massacra a população em prol de pautas inócuas e conchavos espúrios. Não há nada de novo, essa turma veste uma roupagem do progressismo, quando na prática são ávidos por dinheiro, por fama, por status social em grupinhos sociais (essencialmente formados por acadêmicos brancos e burgueses, raramente há negros e índios entre eles).
São vaidosos demais para aceitarem o fato que os lanceiros negros eram farrapos orgulhosos e que eles lutaram pela república rio-grandense, ao lado dos crioulos farrapos. Essa é a típica característica do leitor deslumbrado e entediado pelo intelectualismo pequeno burguês de Juremir Machado que transformou toda a saga dos farrapos num enredo de “faroeste caboclo” de “Guia Politicamente Incorreto da América Latina” do Guga Chacra para ser publicado na editoria policial de Diário Gaúcho, entre outros veículos de jornalismo marrom.
O maniqueísmo, utilizado pela geração lacradora nos festejos setembrinos, não é produtivo. Glorificar ou demonizar acontecimentos ou personagens, apenas diminui o tamanho de quem relata a HISTÓRIA. Tentar separar os personagens em “caixinhas” narrativas de quem era o mocinho e quem era o bandido, talvez seja oportuno para o roteiro de um filme. Mas para compreender a história, acarreta um desserviço.
No mês de setembro, virou moda, manchar o legado da Revolução Farroupilha. O jornalista mencionado até escreveu um livro sobre uma “traição” aos negros que lutaram na revolução. Seu maior inspirador, Moacyr Flores comenta que os farrapos teriam se baseado no modelo político dos Estados Unidos. Apesar da revolução estadunidense ter sido a base de movimentos democráticos em todo mundo, até a década de 1860, havia escravidão, naquele país.
Portanto, afirmar que nem todos os farrapos eram abolicionistas, não me causa espanto. Nem os franceses, que fizeram a mais recordada das revoluções, em 1889, de facto, eram. Tanto que a escravidão continuou nas colônias francesas ao redor do mundo, apesar do lema maçônico (embrião da revolução francesa) LIBERDADE, IGUALDADE E FRATERNIDADE. A Independência do Haiti em1803 (14 anos depois da revolução), é prova irrefutável disto.
Todo movimento histórico tem muitas, várias, diversas, nuances e contradições. Tentar interpretar a história com a visão de quem vive no século XXI, acaba causando distorções desnecessárias. É óbvio que alguns líderes do movimento eram escravistas. Aliás, o Império era escravista e a escravidão só acabou em 1888, no Brasil. É óbvio que nem todos líderes da revolução eram republicanos. É cristalino que os líderes eram caudilhos e tinham inclinação autoritária. Todos tinham miniexércitos formados pelos peões das suas estâncias. Coisa que já existia nas lutas e guerras de fronteira e vai acontecer na Revolução Federalista, em 1893, e na Revolução Assisista (1923).
Falar que a revolução foi a cavalo porque o território era desabitado e ermo, foi uma das alegações mais sem noção que eu já li na vida. Isto porque em 1835, não havia ferrovias no país. Nem falo em automóveis e aviões que somente foram usados em campos de batalha no século XX, pois não tinham sido inventados ainda na época da Revolução Farroupilha.
Realmente, os farrapos não foram a encarnação do paraíso na terra, mas também não foram o contrário. Coloquemos o que aconteceu no estado, no devido lugar. Nenhuma revolta contra o império, criou uma república independente. A única foi a Revolução Farroupilha com a fundação da República Rio-grandense em 11 de setembro de 1836.
Nenhuma revolta durou dez longos anos. Não desmerecendo a Balaiada, a Sabinada e outras que somadas não chegaram nem a metade da duração da luta farroupilha. O Império nunca reconheceu a República dos Farroupilhas, mas seus hermanos vizinhos, sim. Reconhecer a República seria um sinal de fraqueza do poder central e abriria a possibilidade de fomentar outros movimentos de independência que fragmentariam o Império.
Então não houve uma paz formal, houve uma anistia. Mas depois de 10 anos de luta e nenhuma possibilidade de vitória, é melhor ser anistiado e manter os seus bens e da sua família (eram estancieiros ricos) do que morrer ou ser desterrado e ter os bens confiscados, qualquer um pensaria assim.
Sobre a “traição” aos escravos, este ponto não está bem esclarecido e carece de fontes. A própria noção de igualdade racial não existia na época em 90% do mundo, sendo assim os escravos eram considerados mercadorias em todo o globo. É um tremendo anacronismo julgar os farrapos por não terem a visão sobre racismo que temos hoje. Para eles era algo normal, nasceram e cresceram com a escravidão e o culto aos brancos europeus.
Entretanto não tem como analisar os farrapos sob a mesma ótica que se analisa de uma revolução social contemporânea, isso é desonestidade típica de gentalha do Pstu e Psol. No entanto, fosse o desejo de alguns líderes farrapos, a libertação dos escravos, caso vencessem a guerra, mas isto não se realizou, pois eles foram vencidos. Contudo, ao fim do conflito e a anistia, também tinha a pré-condição da entrega dos negros que estavam lutando ao lado dos Farrapos. O Império temia que se estes negros fossem libertados ao fim do conflito, a chama da abolição, incendiasse o país. Isso possibilitava aos líderes farroupilhas a opção de entregá-los para o Império e levados para o Rio de Janeiro.
Também não há embasamento algum para denominar a origem do hino rio-grandense de racista. O refrão que diz: “povo que não tem virtude acaba por ser escravo” não tem nada a ver com “povo que não tem virtude acaba por escravizar”. Isso aí é uma interpretação errônea e moderna, trova de professor bunda doída de história, no qual o propósito é a desconstrução dos fatos. Bem verdade, essa passagem do hino significa que devemos ser virtuosos para não sermos escravos no sentido de não sermos serviçais, pau mandado dos patrões, etc. Não é vergonha utilizar a palavra “virtude”, assim como não é errado orgulhar-se de onde nasceu, cresceu, cultivou suas raízes. Foi a falta de virtude que derrubou o Império Romano. É a ausência desta virtude que vai tornar o homem obsoleto.
Tentar desmistificar a mitificação feita, com sensacionalismo, talvez seja bom para vender livros nesta época do ano, criar polêmicas e chamar atenção. Lamentavelmente, não ajuda a desvendar os motivos do movimento e seus desdobramentos.
Viva os Lanceiros Negros Farrapos! Viva o 20 de Setembro o precursor da liberdade! Viva a República Riograndense!