Nova Ordem Mundial ou Hispanidade

Nova Ordem Mundial ou Hispanidade

Por Alberto Buela

Tradução: Guilherme Fernandes / Resistência Sulista

Existe um velho ditado em filosofia que diz: Distinguir para unir. E, neste caso, queremos primeiro distinguir entre a nova ordem mundial e a hispanidade, e então ver como eles estão ligados e onde não estão. É por isso que substituímos a conjunção copulativa “e” pelo dilema “ou” no título deste artigo.

Nova Ordem Mundial

Sabe-se que historicamente podemos falar do início da nova ordem mundial a partir da chamada “Revolução Mundial” – que abarcaria tanto a Reforma quanto a Revolução Francesa, a Revolução Bolchevique e a Revolução Tecnocrática. Isso foi feito, entre outros, por Christopher Dawson, Julio Meinvielle, Vintila Horia, Gustave Thibon e, aqui em Córdoba, os Albertos Caturelli e Boixiados.

Mas a nova ordem mundial contemporânea nasceu no final dos anos 1980 com o evento emblemático da queda do Muro de Berlim e, no início dos anos 1990, com a implosão da União Soviética e a mensagem de George Bush ao parlamento. construir um mundo único. Como consequência deste projeto surge a teoria dos transbordamentos na economia, a “guerra preventiva” na ordem militar, a democracia neoliberal na política, o multiculturalismo nos campos da educação e da cultura, a nova era como alternativa à religião e ao homem da luz. nas áreas de antropologia e filosofia.

Ora, a nosso ver, a nova ordem mundial que se inaugura com a modernidade, e se exacerba em nossos dias, se expressa nas histórias ou nos discursos que ela mesma elaborou com pretensão de universalidade. Destas grandes histórias da modernidade, vamos nos referir a seis: 1) a ideia de progresso indefinido; 2) o poder abrangente da razão; 3) democracia como modo de vida; 4) a subjetivação do Cristianismo; 5) a motivação do lucro; 6) e a manipulação da natureza pela técnica.

  1. O século XVII é caracterizado pelo intenso e rápido progresso das ciências naturais, para as quais Bacon e Galileu destacam, como particularmente fecundo, a adoção de métodos de pesquisa como a experimentação e o cálculo matemático. O imenso avanço no domínio do conhecimento que isso acarretou, levou o homem moderno a postular o progresso indefinido como princípio incontestável para todo o campo do conhecimento e da ação humana.
  2. Já com o Renascimento, no século XV, Deus deixou de ser o centro da reflexão e o homem, como sujeito, assumiu. Ou seja, o homem passa a ser considerado o criador de um mundo próprio, cujo espírito e dignidade se revelam nas obras-primas da antiguidade clássica. E qual é o instrumento que permite a esse homem o acesso ao ideal do progresso indefinido? Uma faculdade que lhe pertence por direito próprio: a razão, concretamente, a razão calculista, exaltada pela ciência matemática como o órgão ideal para a descoberta das leis que regulam a experiência e constituem a estrutura racional do mundo. A atribuição de um poder de raciocínio abrangente pelo sujeito moderno foi a partir daquele momento um fato normal, natural e óbvio.
  3. A democracia como modo de vida é uma das últimas histórias da modernidade. Começou a se tornar um paradigma universal a partir do último quarto de século XVIII, tendo a Revolução Francesa como sua grande força motriz. É a versão liberal da sociedade política que dá origem à democracia moderna. Não se percebe que a democracia é apenas mais uma “forma de governo”, como o são a monarquia ou a aristocracia e que, portanto, reduzir o homem apenas a um modo de vida democrático é restringi-lo e privá-lo das múltiplas e variadas formas de vida. aquele homem se dá e pode se dar para existir plenamente.
  4. A subjetivação do Cristianismo nasceu com o livre exame das escrituras promovido pela Reforma Protestante do século XVI liderada por Lutero e Calvino. E se consolida com o primado da consciência do filósofo Descartes para quem a descoberta da verdade é a obra pessoal da razão que atua e vive em cada indivíduo. O “penso, logo existo” é a única verdade inquestionável a que surge a razão cartesiana. A divisão nítida de Cartesio da unidade do homem entre duas substâncias heterogêneas, a res cogitans e a res Amplia teve no chamado “angelismo católico”, expresso no lema “salva a alma”, uma influência que continua até hoje. Esta subjetivação do Cristianismo produziu como resultado “um Cristianismo dividido em seitas” como o que vivemos hoje na América, para benefício exclusivo dos pregadores-negociantes e para enfraquecimento dos fiéis que os seguem.
  5. O outro grande movimento gestado no século XVII, junto com o progresso das ciências naturais, é a formação dos Estados nacionais sobre a ruína do Estado feudal e o surgimento de uma nova classe: a burguesia. Comovido, não pelos ideais de cavalaria cristã da Idade Média, mas pelo espírito de lucro exercido por Jeová, o antigo Deus dos judeus, sobre o regime econômico e social da Europa moderna e dos nascentes Estados Unidos da América. (cf. Werner Sombart, Lujo y capitalismo).
  6. O último dos grandes discursos da modernidade é a manipulação da natureza (inclusive o homem) pela técnica. Esta história quer significar que a instrumentação prática do poder abrangente que foi dado à razão pode fazer o que quiser com a natureza e com o homem. Sustentando que o padrão moral é justificado por seu próprio progresso. Isso levou às grandes pragas e pestes do nascente século 21.

Essas seis grandes histórias da modernidade desmoronaram, não tanto por causa das críticas que foram feitas a partir de uma perspectiva pré-moderna, mas por causa das consequências contraditórias a que chegaram.

  1. Assim, a ideia de progresso indefinido como pressuposto teórico das ciências naturais e da física mecânica foi abandonada pelos porta-vozes da física quântica de Einstein, de Plank e de Heisemberg. A isso se soma a falta de uma corda de progresso no campo moral, para não falar de retrocesso, do homem contemporâneo.
  2. O poder abrangente da razão foi quebrado não apenas pela descoberta do inconsciente (Freud), mas pela função de desmascaramento do irracional (Niesztche) e da compreensão emocional dos valores (Scheler), mas pelas consequências contraditórias dos produtos da razão calculista como as bombas atômicas de Hiroshima e Nagasaki.
  3. A democracia como modo de vida foi frustrada não só pelo fracasso dos governos social-democratas com suas democracias exclusivamente procedimentais, mas também pela existência de outras possibilidades de organização política, fora do quadro do capitalismo liberal (de Marx a Gadaffi, passando por Perón) E em nossos dias a luta dos povos que seguem seus ideais nacionalistas para continuar existindo na história.
  4. À subjetivação do Cristianismo, a opção preferencial pelos pobres da Igreja Católica que vai além da esfera individual para se inserir enraizado no domínio social. A mensagem finalmente iluminada da “teologia da libertação” dos anos 1970-1980 está sendo hoje substituída pela “teologia dos marginalizados” na América espanhola.
  5. O espírito do lucro ainda não parece ter sido quebrado, mas a insatisfação com ele, por parte dos povos dependentes, é algo manifesto, apesar da esmagadora publicidade do modelo de globalização neoliberal. De tanto conviver com “a nata contra o vidro” – no caso a televisão – e não poder comprar nenhum dos produtos que, como panaceias, o primeiro mundo nos oferece por falta de meios, ele faz a escolha de vida cada vez mais marginal ou informal.
  6. Finalmente, a manipulação da natureza e do homem pela tecnologia resultou na alienação e dependência do homem de seus próprios produtos. O homem, que já não é apenas escravo da técnica, mas passa a sentir-se um produto dela, reage da única forma possível: com serenidade perante as coisas. Ele percebe, como Heidegger observou intensamente, que “podemos usar objetos técnicos, fazer uso deles de maneira adequada, mas ao mesmo tempo permanecer tão livres deles que podemos nos livrar deles a qualquer momento” (cf. Martin Heidegger, Serenidad).

Estamos testemunhando o nascimento de uma nova era. A quebra de paradigmas abrange todos os domínios, começando com a tão falada quebra do equilíbrio ecológico. A confusão das funções é total (o político é empresário, o pensador desportista, o santo assistente social, os tolos são filósofos, etc.). Não há visão totalizante do homem, do mundo e seus problemas, mas fragmentos, visões parciais e conjunturais. O homem é forçado a se perguntar novamente sobre ele, a tentar se encontrar. E isso não é fácil, mas não há outra saída genuína. Ele é obrigado a estabelecer novas raízes no mundo, que se baseiam na preferência de sua própria ecúmena cultural e na pertença a um solo e a uma tradição cultural, como propõe o filósofo escocês Alasdair MacIntayre. Caso contrário, ele se transformará em um homúnculo.

Hispanidade

Pelo que acabamos de dizer, somos obrigados a recorrer ao tratamento da Hispanidade, que é a nossa tradição cultural, o sal da nossa ecúmena cultural ibero-americana e o destino de uma vida melhor para os nossos povos indo-ibéricos.

Em primeiro lugar, devemos destacar o fato histórico de que a Hispanidade tomou ab ovo, a partir do século XVI, um caminho diferente do resto do Ocidente. Mas deixe-me primeiro fazer uma distinção que já fizemos de nosso trabalho “Hispanidade visto da América” (1990), “nossa meditação surge como uma necessidade de afirmar a americanidade em Hispanidade. Portanto, não concordamos com a caracterização de Hispanidade feita por dois de seus melhores escritores Ramiro de Maeztu em “Defesa da Hispanidade” e Manuel García Morente em “Ideia de Hispanidade”, já que o primeiro a define através de “dois pilares: a religião católica e a Monarquia espanhola”, enquanto a segunda afirma que “o que melhor simboliza a sua essência é a figura do cavaleiro cristão”.  A consequência lógica dessas declarações seria pensar que, uma vez que somos cavalheiros, pelo menos costumamos andar a cavalo, e os cristãos, e a natureza da hispanidade sendo definida por sua conversibilidade com o católico e o cavalheiro, resta-nos validar e concordar com o que aqui se sustenta. Mas o problema que queremos levantar é outro, é o da hispanidade entendida desde a América. E isso porque faz sentido para nós, desde que expressemos nele e por meio dele “as modalidades nacionais” desta grande nação que é a Ibero-América. Do contrário, a Hispanidade seria mais um universalismo e, como tal, uma categoria de dominação como a Latinidade e a Ocidentalidade são hoje.

As observações a essas duas teorias que acabamos de mencionar são as seguintes:

  1. A conversibilidade entre catolicidade e hispanidade não é adequada, pelo menos, para definir hispanidade, uma vez que a catolicidade não constitui a diferença específica do hispânico, nem é uma característica exclusiva do espanhol. Existem outras cidades como a Polónia e a Irlanda que podem ser convertidas com a catolicidade. Além disso, as causas nacionais desses povos estão enraizadas no catolicismo, como nos mostra a história antiga e recente.
  2. A América nada teve a ver com o regime da monarquia espanhola, prova disso é o desencanto e mal-estar que expressaram nossos enviados americanos às Cortes espanholas. E quando nos declaramos independentes, o fizemos sob o regime republicano. A reductio ad unum, a essência do regime monárquico, em nosso caso americano chega-nos sob a figura do caudilho ou líder, mas isso para os monarquistas de todas as latitudes é um tanto espúrio.
  3. A teoria dos arquétipos humanos como paradigma de todo um povo nada mais é do que uma generalização agradável ao coração e aos sentimentos, carente de qualquer rigor filosófico. Essa teoria tem duas falhas: 1) Podemos carregá-la com as maiores virtudes, como García Morente faz com o cavalheiro cristão, ou com os maiores defeitos, como nossos liberais com o gaúcho. 2) É sempre atribuído a um determinado tempo e lugar na história de um povo.

O que é, então, a hispanidade como expressão do ser hispânico? Este ser, participado por um grupo de povos e nações, não se reduz facilmente a conceitos intelectuais. Ocorreu na história sob múltiplas e variadas formas, e ocorrerá de muitas outras maneiras que nem sequer podemos imaginar. Lembremos que a coruja de Minerva, símbolo da filosofia, voa quando a realidade já se instalou e não antes. O prognóstico estava trancado na caixa de Pandora e não a esperança, já que o termo grego ελπις é mal traduzido em Hesíodo. Tudo indica que o conhecimento do futuro não é permitido ao homem. Ora, quando a filosofia não consegue apreender a entidade que pretende investigar em um único conceito, ela a circunda sucessivamente, descrevendo seus personagens mais significativos. Sobre o assunto que nos preocupa, a hispanidade, podemos reduzi-los a dois: o sentido hierárquico da vida, os seres e funções e a preferência de si mesmo.

A hierarquia era entendida a) como uma necessidade do inferior em relação ao superior e não vice-versa, como postulado pelo mundo liberal burguês; b) fundada em uma visão total do homem, do mundo e seus problemas e não vice-versa em especialistas do mínimo, que não conseguem ver o todo que estudam; c) e, por fim, apoiados em valores absolutos indiscutíveis e não vice-versa sobre valores subjetivos decorrentes do primado da consciência no mundo moderno. Assim, a necessidade do inferior, a visão do todo e a objetividade do valor são os pilares que cimentam o sentido hierárquico da vida.

Já o segundo traço que caracteriza a Hispanidade como sendo o hispânico é a preferência por si mesmo que se manifestou mil vezes na falta de medo da perda da própria identidade. O colonizador hispânico misturou-se sem inconvenientes ou reservas com o nativo, o que não aconteceu nem no hemisfério norte, nem na China, nem na África do Sul, nem na Austrália. A preferência de si mesmo não é se acreditar superior, mas diferente, contém a diferença de valores que existem, de fato, em toda a realidade. A auto preferência é a afirmação do realismo mais existencial, pois nos diz: você é diferente de mim, e eu de você, tratemo-nos de forma igual. Vemos como o sentido hispânico da diferença funda a igualdade, ao contrário do sentido moderno, em que a igualdade elimina a diferença em busca de nivelamento, o que produz estranhamento de si e do outro. Afirmação de identidade, direito à diferença e sentido de alteridade são, em nossa opinião, as manifestações fundamentais da preferência de si mesmo como segundo pilar sobre o qual repousa a natureza da hispanidade.

Conclusão

A conclusão desta meditação é que, para nós, americanos, a Hispanidade está situada no êxtase temporário do futuro. Devemos ser hispânicos se quisermos ser e permanecer existindo. Você será o que é, argumentou Píndaro, o pai dos poetas gregos.

Estamos sozinhos, como Hernán Cortés sabia quando queimou os navios. As metrópoles, Espanha e Portugal, aderiram à nova ordem mundial “pelo valor de face”.  Se estamos sozinhos, estamos de fato fora do “todo-um” da ordem mundial, que transforma nossa ação e pensamento em uma transgressão e nós, todos nós, em criminosos e marginais que devem ser ordenados de acordo com o modelo do mundo único (um mundo) ou colocados fora da humanidade.

Pensar e agir desde a perspectiva hispânica é pensar a partir da dissidência a respeito do pensamento único e politicamente correto que sustenta essa nova ordem mundial. Pensar e agir desde a perspectiva hispânica é pensar a partir de uma dissidência a respeito do pensamento único e politicamente correto que sustenta essa nova ordem mundial. E pensar com base na dissidência é infringir e contradizer os defensores conformistas da teoria do consenso que querem, como novos nominalistas, consertar a realidade com palavras. (Cf. A ideia de democracia deliberativa de Habermas, Cohen e Bohman segundo a qual “Os desafios modernos podem ser superados inventando novos fóruns nos quais os cidadãos deliberam juntos e fazem uso público de sua razão”). Que estupidez!

A dissidência prática passa necessariamente pelo exercício diário da virtude, não realizado de forma burocrática, mas de forma generosa e sacrificial. Romper diariamente com as demandas do sistema e do meio ambiente é uma forma de ascetismo. A dissidência como virtude resulta de um hábito criado pela repetição de atos de resistência ao sistema corruptor e totalitário que anula o homem através da televisão e da massificação, e o reduz à bestialidade. O homem hispânico em suas muitas e variadas formas e encarnações foi sempre uma pessoa, nunca uma massa. É o oposto absoluto disso. Hispanidade é, substancialmente, disjuntiva à nova ordem mundial.

Alberto Buela (1946-), graduado em filosofia pela Universidade de Buenos Aires, completou sua formação com o doutorado em 1984 na Paris IV-Sorbonne, sob a direção de Pierre Aubenque. Exercendo a fenomenologia existencial, ele trabalhou em quatro temas específicos: o significado da América, a metapolítica, a teoria da dissidência e a ética das virtudes. Ele escreveu mais de trinta livros, cerca de duzentos artigos acadêmicos e tantas conferências.

Guilherme Fernandes

Guilherme Fernandes

Membro da Resistência Sulista e Dono do blog Tierra Australes. Também um ativista ferrenho pela reunificação do Uruguai e do Rio Grande do Sul como uma só pátria sob o estandarte de José Artigas.

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